Startup, das garagens à onipresença
As tentativas de conceituar, os estágios, o crescimento, as profissões que originou e um pouco da história das startups, tipo de organização que melhor simboliza a "destruição criativa" na economia
Na semana passada, trouxemos um panorama das startups brasileiras e comparações com startups mundiais. No texto a seguir, vamos abordar um pouco mais sobre o conceito de startup, desde o seu surgimento até se tornar o hype que é nos dias atuais.
Estereótipos talvez venham rapidamente à cabeça quando se fala em startup. Aquela empresa cool, com puffs coloridos, mesa de sinuca e pebolim e muita guloseima (ou comida vegana) à vontade, que permite trabalhar de pijama ou vestido de cosplay.
Aquele sonho de nerds que se juntam numa emblemática garagem para “codar” insana e obstinadamente o programa de computador que irá dominar o mundo e deixá-los ricos. Vale até aquela empresa que vende qualquer serviço estranho, está ganhando rios de dólares e valendo milhões.
De alguma forma, da década de 2000 para cá, trabalhar com tecnologia e em uma organização desse tipo parece o equivalente a tocar guitarra e ser integrante de uma banda de rock nos anos 80. Ser o founder (fundador) de um startup de sucesso, então, seria como liderar o Metallica.
Mesmo assim, startup não é apenas um símbolo ou status. É um tipo de empreitada, iniciativa ou organização, seja solo, seja como “braço” de uma empresa já existente, que com mais eficiência tem conseguido praticar a “destruição criativa”1, uma das molas propulsoras da economia. É, também, o modelo de organização que melhor se aliou à tecnologia da informação e que melhor tem navegado nesses tempos de volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade2.
Vamos explorar mais sobre o que é uma startup, como o conceito vem sendo construído, ciclo de vida, profissionais que exigem em seus diferentes estágios, objetivos e riscos, como são impulsionadas e impulsionadoras da tecnologia e de modelos de negócio, além de ter um pouco mais clara a relação entre organização negócio e produto, que costuma se confundir nas fases iniciais desse tipo de organização.
O que define uma startup?
Não existe uma definição escrita em pedra, herdada de alguma entidade supra humana, que define startup. O termo foi e vai sendo conceituado, com desentendidos e divergências, na medida em que é feita na prática, à base de tentativa e erro, por muitas pessoas diferentes, em lugares diferentes, sobretudo nas últimas três décadas.
O que se pode depreender desses 30 anos, muito dinheiro ganho, mas também prejuízos e fracassos, pode ser resumido no que alguns caras corajosos, com a pele em risco (“skin in the game”, expressão em alta), como empreendedores e investidores, arriscaram a pensar e colocar em prática.
Steve Blank, um pioneiro e “guru” da turma, autor de “The Four Steps to the Epiphany” (traduzido para o português com o título de “Do sonho à realização em 4 passos”), de 2013, definiu startup como “uma organização temporária projetada para buscar um modelo de negócios que seja repetível e escalável”3.
Para ele, startups não têm a ver com o tamanho de empresas (dada a novidade, anos atrás, era comum associar startup com pequena empresa ou empresa iniciante, de onde o nome em inglês). Também não têm muito em comum com empresas tradicionais, que operam modelos de negócios maduros, mais lineares.
Algum tempo depois, Blank distinguiu mercados em “existentes”, “ressignificados” e “novos”. Startups atuam, em sua maioria, segundo ele, ressignificando mercados existentes ou criando novos.
Paul Graham, programador, empreendedor e investidor, um dos fundadores da Y Combinator, incubadora pioneira de startups, diz que uma esse tipo de organização é “uma empresa projetada para crescer rápido”4.
Para ele, isso é o que a difere de uma empresa com modelo de negócio (business model) tradicional, como uma padaria ou barbearia. Enquanto essas são feitas para operar em um cenário previsível (você só consegue vender mais pão ou cortar mais cabelo aumentando os custos proporcionalmente, por meio da abertura de filiais, por exemplo), startups conseguem atingir mercados gigantescos, possivelmente globais — no jargão da área, “escalar” —, sem precisar aumentar custos na mesma proporção. Atender cem, mil, um milhão ou um bilhão de clientes é uma questão de replicar o processo core da startup para atender mais consumidores.
Eric Ries, discípulo de Steve Blank e autor de “The Lean Startup” (trazido para o português com o título de “A Startup Enxuta”), um divisor de águas na indústria de tecnologia, afirma que “startup é uma instituição humana projetada para entregar um novo produto ou serviço em condições de extrema incerteza”, o que é uma dos fundamentos do método que ele difunde.
A questão da “destruição criativa” ou inovação é meio que o sentido de uma startup existir, na visão de Ries. A inovação pode se aplicar a um novo produto, a um novo tipo de serviço ou a um novo modelo de negócio.
Nessa linha, startups não estão para executar modelos de negócios estabelecidos, mas, por meio de ciclos rápidos de “construir-medir-aprender” — hoje, é comum se falar em discovery (descoberta) e delivery (desenvolvimento) —, validar aprendizado sobre um novo produto ou serviço a fim de que ele atinja o market-fit5 (passe a dar lucro) ou seja “pivotado”.
“Pivotar” significa mudar a estratégia e partir para outra (o Youtube, por exemplo, foi lançado como um site de namoro por vídeo, mas como usuários passaram a enviar vídeos de todos os tipos para a plataforma, acabou “pivotando” para um site de compartilhamento de vídeos de quaisquer tipos).
O primórdio das startups como as conhecemos, nos anos 1990 e 2000, e o que acontece depois, ajuda a contextualizar as tentativas de definição.
Na bolha das “pontocom”, nos 2000, surgiu um sem-fim de tentativas de ganhar dinheiro via internet. Os “primeiros cinco mil anos” da tecnologia, a escovação de bits, otimização de compiladores e os softwares de prateleira, muitos deles B2B (business to business), típicos da era Microsoft, já estava no poente e os negócios B2C (business to consumer), voltados para o consumo de massa, estavam em seu alvorecer.
Como lembra Steve Blank, se para a geração dele o propósito era protestar contra a Guerra do Vietnã, o propósito da nova geração era descobrir um novo business model revolucionário.
Nesse bolo, uma série de ideias fúteis, para não dizer absurdas, foram despejadas no mercado. Mais na força bruta, na obstinação e não sem uma certa arrogância, muita gente — a maioria programadores — construiu software a partir de ideias que vinham à cabeça, sem saber se alguém necessitava ou desejaria usá-las, normalmente gastado um tempo valioso e algum recurso de investidores, da família ou afins, tentando ganhar um lugar ao sol.
Games, baboseiras, softwares obscuros apenas para aficionados em tecnologia brotaram igual erva daninha desse processo. Resultado: era um tal de startup ser lançada e falir sem precedentes. (Em “Uma história da Gestão de Produtos” abordamos sobre isso, já que startups e produtos de software crescem juntos).
Após a chacoalhada que a crise da bolha “pontocom” provocou e de muita gente perder dinheiro na brincadeira, começou-se a entender que não bastava apenas rebeldia, não querer imitar as grandes corporações (trabalhar de chinelo, a hora que bem entendesse, sem regras nem processo, hábitos que startups de hoje imitam) e construir qualquer coisa a partir de ideias “geniais”, aguardando que o dinheiro viesse.
Enxergou-se que era necessário alguma administração (se não a administração tradicional, abominada, mas um novo modelo de administração), que se precisava de novos métodos e de algumas regras. Ou seja, deixava de ser brincadeira juvenil para se tornar negócio adulto.
O exemplo que Ries cita no “The Lean Startup”, da IMVU (bate-papo em que você interage por meio de um avatar 3D), da qual é fundador, é ilustrativo. Apesar de ser uma sacada interessante, com um propósito claro (permitir às pessoas se conhecerem e interagirem de forma anônima, sem pressões estéticas, por exemplo), e de ter angariado um mercado de 6 milhões de usuários, é difícil de comparar com a proposta e os impactos que Uber, AirBnB e empresas de logística (para citar latino-americanas: Loggi, Rappi e Ifood) fariam na realidade mais tarde.
Essas startups disruptoras atacaram problemas complexos, abrangentes, além do virtual, da tecnologia, dos seus clientes diretos e das propostas anteriores, como o IMVU e tantos outros, que tinham como “matéria-prima”, na maioria, apenas alguma forma de produção ou compartilhamento de conteúdo.
O tempo refinou definições. Hoje, fruto mais de trabalho colaborativo do que de uma ou duas cabeças pensantes, parece mais claro que uma startup une um pouco de cada autor acima, uma parte da rebeldia inicial (na busca por problemas desafiantes e soluções inovadoras) e uma parte do que a administração já ensinou.
É necessário ter paixão pela descoberta unida a um mínimo de método e de processos para se atingir objetivos de negócios — onde ciclos como o de discovery e delivery, o agile (metodologia de desenvolvimento de software), o lean canvas (uma derivação do business model canvas) e outras contribuições floresceram e ganharam espaço.
Estágios de uma startup
Antes de avançarmos nesse tópico, um alerta: estágios podem dar ideia de linearidade. A empresa começa o jogo, passa à segunda fase, à terceira e chega em uma espécie de pódio, onde permanece feliz para sempre. Isso não existe.
Um bom exemplo para se pensar em estágios ou fases, aqui, é lembrar dos clubes de futebol. Ora pode ser bem gerido, fazer uma bela campanha e levar um título importante. Pode decair em seguida. Pode ganhar uma sequência de outros títulos depois e figurar por um tempo num Olimpo esportivo de novo.
Após muita tentativa e erro, hoje é possível vislumbrar que startups que dão certo passam, em geral, por três grandes momentos até se tornarem big companies, quando têm um mercado consolidado, processos definidos, atuam na operação de um modelo de negócio e não mais em sua validação, podendo então, partir para a inovação em outros problemas ou oportunidades.
Esses estágios são: formação (quando se estabelece um problema a ser atacado), validação (quando se executa o ciclo de “construir-medir-aprender” a fim de validar soluções) e crescimento (a partir de quando o produto, serviço ou modelo de negócio ganha escala). Em inglês: formation, validation e growth. Repare-se que, de alguma forma, essas grandes fases vão ao encontro do que Blank, Ries, Graham e outros tentam conceituar na teoria.
A fase de formação é onde se procuram problemas — é muito comum se falar em “dores”, mas, para simplificar, podemos pensar em necessidades, vontades e desejos de clientes, sejam pessoas físicas ou jurídicas —, que representam possíveis oportunidades. Note-se que a palavra-chave, aqui, é “problema”.
Em uma empresa iniciante, é o momento em que os fundadores estão sozinhos, percebem ou vislumbram uma oportunidade, começam a imaginar como seria atacá-la, enfim, uma fase de ideação, como no Design Thinking, onde o objetivo é imaginar, intuir, fazer algumas primeiras pesquisas e começar a escrever alguma coisa em torno de uma proto missão, o coração da empreitada.
Em um projeto ou iniciativa dentro de uma grande empresa, pode ser aquela ideia que um grupo de executivos vem farejando há algum tempo e na qual planejam apostar ou uma descoberta de um estudo de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) que parece promissora.
Missão, visão e estratégia são alguns dos termos a se definir nessa fase, até porque do nada absoluto não há como se partir.
Validação é onde muitas startups jogam seu jogo de fato. O ciclo “construir-medir-aprender” da startup enxuta se aplica perfeitamente aqui.
A partir dos problemas e oportunidades percebidos na ideação e da concepção de estratégias para atacá-los, trabalha-se no MVP6, visando pô-lo no mercado, captar percepções de clientes, fazer ajustes com bases nessas percepções (melhoria contínua) até o ponto em que a base de clientes interessados aumente, pessoas estejam dispostas a pagar pelo produto e atinge-se, então, o market-fit.
Ou talvez seja só fogo de palha, apenas consumidores innovators ou early adopters compram a ideia, mas ela jamais traciona a ponto de atingir early majorities e outros públicos, como mostra Geoffrey A. Moore no livro “Crossing The Chasm” (“Cruzando o Abismo”).
Boa hora para Moore aparecer, aliás. O conceito de “cruzar o abismo”, do qual ele trata, também é interessante para entender estágios de uma startup, principalmente a fase de validação.
Em resumo, ele divide o público de produtos ou serviços em cinco grupos:
innovators (entusiastas);
early adopters (visionários);
early majorities (pragmáticos);
late majorities (conservadores); e
laggards (céticos).
Para Moore, produtos ou serviços têm de vencer a barreira dos early adopters e atingir os early majorities para ganhar maturidade e escala no mercado. Enquanto ficar no early adopters pode fazer do produto uma moda passageira, atingir early majorities proporciona uma base de clientes menos deslumbrados com a novidade e mais focados na necessidade ou desejo que o produto atende, ou seja, acabam pagando por isso.
O primeiro grande desafio de uma startup que já tem uma ideia reside nesse ponto: adquirir o market-fit, cruzar o abismo entre visionários e pragmáticos, atingir uma base de clientes que enxergue valor no produto e que pagará por ele no longo prazo.
É onde abre-se um cemitério para ideias que parecem ótimas na teoria, na cabeça dos fundadores ou nas mãos de um time competente, mas que não valem de nada na prática, no choque com o mundo real e com a falta de clientes que enxergam valor de troca naquilo.
É cruel, mas também interessante. Experiências mostram que empreendedores que fracassam e reiniciam o processo algumas vezes, nesse ciclo “ideação-MVP-validação”, acabam descobrindo o caminho das fases seguintes com muito mais consistência.
Este tem sido, inclusive, um ponto que investidores-anjo têm levado em conta na escolha do que financiar em rodadas de investimentos. É onde a tentativa e erro, tão em voga, cumpre um papel de “seleção natural” nos negócios.
Há quem venha se especializando nas fases de startups a fim de ajudá-las. Há empreendedores, atualmente, por exemplo, muito mais focados na primeira fronteira: a da descoberta de problemas realmente difíceis, que podem representar oportunidades gigantescas.
Alex Danco, que era sócio da Social Capital, empresa de investimentos focada em resolver “os problemas mais difíceis do mundo”7, antes de ir para o Shopify, comenta, por exemplo, sobre problemas de habitação (moradia), em sua newsletter e em entrevistas, algo certamente bastante complexo de resolver, arraigado na cultura e na organização das cidades. Na biologia (ele é biólogo), também considera a inovação e a disrupção muito mais difíceis do que na tecnologia da informação.
Há quem se especialize em lançamentos ágeis e consistentes de MVPs, que permitem “iteração” e melhoria contínua rápidas e eficientes, a fim de validar hipóteses sem grandes custos.
Outros podem gostar mais da fase de concepção estratégica, que pode ser fundamental para despertar interesses preliminares de investidores. São caminhos que o empreendedorismo está desbravando.
Scale-ups
Ultrapassada a validação da proposta de valor no mercado, a conversa é outra. Mas nada de comemorar e esquecer os novos desafios. Chegamos na fase de crescimento (growth), que fez surgir outro termo bem comum, olhado de perto por muitos investidores, organismos internacionais e outros atores econômicos: as scale-ups.
Na prática, toda startup, em algum grau, almeja ser uma scale-up. A busca se dá por meio de problemas que permitam soluções escaláveis.
Nessa fase, o desafio não é mais apenas encontrar clientes, mas lidar de forma eficiente e profissionalizada com a enxurrada de consumidores que chega todos os dias e que gera problemas comuns da escala.
Os desafios são vários. Aumento de tráfego e consumo de dados, que implica tecnologia mais robusta. Melhoria do atendimento ao cliente (que já não consegue mais ser feito por um grupo pequeno de pessoas e requer soluções automatizadas). Promoções e artimanhas para manter a base de clientes engajada, comprando e pagando pela proposta de valor. Necessidade de se adquirir eventuais soluções terceirizadas para dar robustez ao produto, busca de mais dinheiro para suportar automatizações ou “queimar” em benefícios, como vouchers, descontos e afins. Tudo em prol de tentar consolidar a empresa como grande player de mercado, de preferência global.
Tecnicamente, segundo definição do Fórum Econômico Mundial e da OCDE, scale-ups são empresas que apresentam crescimento de pelo menos 20% nos três últimos anos. Ou seja, há startups que podem não se tornar scale-ups, embora a maioria pretenda chegar lá.
Aqui, obviamente, há empresas com crescimento vertiginoso durante um período relativamente curto e que depois se estabilizam, adquirem maturidade e tratam de operar um modelo de negócios, produto ou serviço. Outras podem seguir crescendo continuamente por um longo período.
Um fator que permite a startups chegarem a scale-ups é produto com natureza de plataforma, isto é, produtos que intermedeiam relações entre diversos atores, sejam clientes, fornecedores ou anunciantes, por exemplo.
O Spotify é um caso clássico de produto de plataforma. Ele conecta usuários que querem ouvir música, artistas e produtores que desejam fazer receita com suas músicas e empresas que querem aproveitar a base de ouvintes para anunciar. É um ganha-ganha. No meio dessa relação, o Spotify lucra com taxas cobradas de cada um.
A vantagem das plataformas é que, quanto mais atores surgem em uma ponta, provavelmente mais aparecerão em outra, gerando uma espiral de crescimento. Mais ouvintes dispostos a ouvir música certamente atrairão mais artistas dispostos a vender músicas. Da mesma forma, mais empresas interessadas em anunciar se juntaram à plataforma.
Quem larga antes em modelos assim e consegue o market-fit, tem boas chances de dominar um determinado mercado, dado que a formação de comunidade é crucial: pouca gente irá migrar para um concorrente porque a empresa que dominou o mercado já possui a maior comunidade.
De outro modo: menos pessoas usam o Telegram porque é mais fácil encontrar seus contatos no Whatsapp. A menos que a qualidade do produto concorrente apresente inovação considerável, como no caso do Orkut, que já possuía comunidade, versus o Facebook, que dominou o mercado.
Na condição de scale-up, e ainda mais se tiver produtos com natureza de plataforma, a empresa passa a contar com vantagens colaterais significativas. A comunidade é a maior delas. Se bem cultivada, é possível aproveitá-la para testar novas propostas de valor, podendo-se avançar mais rapidamente na validação de um novo produto.
Não é tarefa fácil, é claro. Há todos os custos e riscos que o ganho de escala traz ao produto original e há os custos e riscos de se aventurar em novas propostas. Um dos maiores riscos é a estagnação, decorrente do tamanho da empresa, que começa a se tornar uma corporação, com mais processos, mais regras, hierarquias, necessidade de controle, ou seja, complexidade.
O crescimento também não resulta no pódio, depois do qual é possível pendurar as chuteiras. Uma bobeada e a galinha dos ovos de ouro (Joca Torres, referência em product management no Brasil, fala em “vacas leiteiras”, quando o produto atinge sua maturidade e continua dando lucro) pode ser ultrapassada por um concorrente com proposta de valor mais alinhada às necessidades ou desejos dos usuários.
Entra-se na necessidade de atenção ao mercado global e aos mercados locais, a usuários, a concorrentes, à política econômica mundial, a possíveis crises, até à moda, para antecipar cenários, prever impactos e continuar executando o plano de negócios estabelecido ou encontrando novos problemas e oportunidades.
A organização nem de longe é mais uma startup nesse estágio. Os fundadores talvez (ou muito provavelmente) já não estão mais no quadro (venderam a empresa para começar tudo de novo em outro negócio), há necessidade de uma gama de executivos experientes em gestão de big companies, os funcionários são em maior número e especializados.
Aspectos que podem ser enfadonhos para uma startup, como planejamento, agora são parte da rotina. Embora não devesse ser assim, é quando problemas começam a ser vistos como o que são, problemas. E quando oportunidades podem perder atenção para os incêndios a apagar, a operação a manter, o plano de negócios a gerir e a inovação corre risco de cair no esquecimento.
Formados em startup
Com a tecnologia tornando-se fundamental para, praticamente, todo tipo de negócio, é provável que cada vez mais profissionais trabalhem em empresas, em projetos ou iniciativas com características de startup.
Se pensarmos nas profissões surgidas em decorrência da produtização de software — desenvolvedores, data engineers, data analysts, data scientists, product managers, UX ou product designers, product marketeers e por aí vai—, é de se apostar que a maioria almeja ou irá encontrar vagas de trabalho em startups e scale-ups (ou, de novo, em grandes companhias que possuam setores de P&D, projetos ou iniciativas com características de ambas).
Considerando-se os estágios citados, há uma série de desafios a todos estes profissionais e, como em tudo que é arriscado, outra série de oportunidades.
Startups que estão na fase de ideação talvez contem com uns poucos desenvolvedores e algum designer para começar a transformar discovery (descoberta) em delivery (entrega).
O ciclo de “iteração” sobre o produto inicial pode demandar mais desenvolvedores, product managers para vasculhar o viável e UX designers para investigar o desejável, além de data engineers para começar a organizar os dados que começam a ser armazenados.
À medida que o produto ou modelo de negócio começa a se mostrar viável, marketing e estratégias de growth marketing, bem como ciência de dados, são necessárias para ajudar a iniciativa a ultrapassar o abismo entre early adopters e atingir early majorities.
Chegando ao market-fit, então, a realidade muda completamente. Customer success se torna imprescindível, toda a parte de segurança da informação, governança de dados e robustez e escalabilidade da infraestrutura passam a ser cruciais. Mais gente de negócio provavelmente também será necessária, como business analysts, para aprimorar e estabelecer processos.
É interessante notar que atingir o market-fit e iniciar o estágio de growth abre portas para especializações. A complexidade resulta em novos problemas, inevitavelmente.
Atenção aos detalhes, ajustes finos, que lá no MVP não faziam tanta diferença, porque a base de clientes impactada era pequena, agora têm de ser resolvidos rapidamente, dado que os prejuízos podem implicar em uma enxurrada de reclamações ou, pior, em churn (desistências).
Quando você tem mil usuários, 1% das reclamações são dez delas. Até o fundador ou um sócio conseguem reservar um tempinho para analisar e dar solução. Quanto você tem um milhão de clientes, 1% de reclamações continua a ser uma proporção baixa, mas em números absolutos, são 10 mil pessoas reclamando. São necessários processos automatizados e um time para analisar, tratar e responder tudo em tempo satisfatório aos clientes.
No âmbito dos CEOs e dos cargos de gestão, como diretores e gerentes (as nomenclaturas podem ser as mais variadas, dependendo da startup, como “group qualquer coisa”, “head qualquer coisa”, “chief qualquer coisa”), as mudanças também são profundas.
Ben Horowitz trata bem disso, sem papas na língua, em “The Hard Thing About Hard Things” (“O lado difícil das situações difíceis”).
Um gerente com experiência em validação do produto inicial ou em uma estrutura pequena e informal pode não ser mais suficiente para conduzir uma estratégia de crescimento acelerado. RH se torna fundamental para seleção dos melhores profissionais e para avaliação do desempenho da equipe. A comunicação com toda a empresa muda e exige estratégias diferentes para informar sobre avanços e vitórias ou para esclarecer sobre retrocessos e derrotas.
Essa variedade de fases pode formar profissionais para atuar em empresas que estão em momentos específicos. Há pessoas que acabam forjadas na adrenalina dos primeiros anos e preferem atuar em startups que estão nesse estágio, quando “tudo é mato”, não se sabe muito bem por onde ir (a receita é testar, errar e aprender; lean “na veia”) e as vitórias tem um sabor de desbravamento.
Há profissionais mais formatados para lidar com as demandas do crescimento vertiginoso ou com os ajustes necessários (e preocupações) do “abismo” do qual Moore fala, quando uma estratégia precisa ser “pivotada” ou é necessário muita criatividade e sangue frio para dar a volta por cima.
Há quem se especialize em estratégias maduras, onde o foco é mais executar e consolidar do que descobrir e criar. Há momentos para cada perfil e vice-versa.
Compreender o momento e o ciclo de vida da organização, o que já passou, onde estamos, o que provavelmente vem a seguir (não necessariamente será o sucesso, embora todos queiramos) se torna mais uma dentre tantas skills que profissionais precisam ter.
Vai ao encontro, de certa forma, ao perfil em “T” de que tanto se fala (especializar-se em uma vertical, a “perna” do T, mas ter um conhecimento generalista em outras).
Ou, de outra maneira, mergulhar no micro, mas sem perder a noção do macro, do contexto da organização, até para não ser atropelado pelas mudanças, às vezes bruscas, às quais startups estão sujeitas.
Quando ouvimos falar em profissionais que “resolvem o problema”, não é uma questão de dominar o ferramental do Homem de Ferro (cuidado para não ser o do Inspetor Bugiganga) nas skills técnicas ou de compreender genericamente soft skills. É aplicar o que se sabe tecnicamente (hard skills), com uma postura e desenvoltura condizente (soft skills), mas sintonizada com missão da organização e, principalmente, de acordo com o estágio em que ela está.
Outra característica procurada — é difícil de exercitar, mas deve ser tentada — é como perseguir o crescimento e, em decorrência, a racionalização de processos, o estabelecimento de estrutura, sem perder a flexibilidade, a descoberta e criatividade dos estágios iniciais. Como conciliar execução e consolidação do que já se atingiu com o tino em descobrir e atingir novas oportunidades? Um olho ao céu (descobertas), um olho à terra (operação).
Entender o ciclo de vida de uma startup até se tornar uma organização madura pode ajudar cada profissional a responder esta questão onde estiver inserido. A “destruição criativa” que move a economia depende, fundamentalmente, disso.
Empresa, negócio e produto
Por se tratar de algo recente — 30 anos não é nada na história, ainda mais em se tratando de consolidação de conhecimento —, é comum que surjam jargões, terminologias, quando não expressões de efeito, que podem mais confundir do que esclarecer sobre startups, seu ciclo de vida e sua natureza. Uma delas é não se saber distinguir com clareza o que é produto (ou serviço), empresa e negócio.
Para fins de conversa no dia-a-dia, obviamente que rigor semântico é detalhismo (a realidade é um empecilho a qualquer rigor semântico). Mas para obtermos uma noção mais ampla do que é e do que faz uma startup, é interessante perceber diferenças.
É comum, na indústria e tecnologia e nas startups, falar-se em produto e negócio quase como a mesma coisa. Os dois termos nascem nesse contexto porque, em geral, o modelo de negócio e o produto — quase que como regra, um produto único, “monoproduto” — estão umbilicalmente ligados no estágio inicial.
Um exemplo é um banco ou conta digital. No início, ele pode ter um único produto, um cartão de crédito. O produto é o cartão de crédito. O modelo de negócio é fornecer crédito a clientes. Nada revelador. A empresa é, em sentido comum, aquela sede (embora não mais necessariamente, com o trabalho remoto), aquele grupo de pessoas, de ferramentas e de processos que faz esse modelo de negócio, materializado no produto, funcionar. Fácil de visualizar, não?
Meses ou anos depois, a empresa “dá certo”, conquista mais clientes, recebe aportes de investidores. Oportunidades surgem. O produto se subdivide em conta digital, empréstimos, seguros, previdência privada e investimentos. Talvez cada uma dessas verticais ganhe uma interface própria (um aplicativo ou site separado). Adiante, ela dispõe de shopping virtual para comprar diretas, com cashback. Deixa de ser só banco ou conta digital e começa a virar também um e-commerce.
O que essas mudanças mostram? Que empresa, negócio e produto podem ser desacoplados.
Negócio, por metonímia, é a loja, empresa, casa comercial, segundo dicionários. Mas, em seu core, é a transação entre duas partes, o trato mercantil, a necessidade e ou desejo (demanda) de uma das partes e satisfação (oferta) por outra.
Empresa é aquele conceito abstrato (mas também jurídico, com poder de cobrar, processar e fazer várias outras coisas que uma pessoa de carne e osso também pode) que dá nome a todo o conjunto de imóveis, bens, pessoas, processos, conhecimentos; que descobre, viabiliza e explora essa satisfação (ou infinitos tipos de satisfação).
Produto é o meio de viabilizar, tornar tangível, a satisfação da demanda (no mundo digital, seria mais preciso falar em “serviço”, mas é outra questão de semântica contra prática).
Um mesmo negócio pode ser atendido por diversas empresas. Uma empresa pode satisfazer diversos negócios. Uma empresa pode ter um ou mais produtos para satisfazer um ou mais negócios. Uma empresa pode ser um conjunto de outras empresas que atuam em uma gama de negócios, com produto único (monoproduto) ou milhares de produtos.
Os arranjos são variados, não há algo canônico. Compreender essas nuances pode ajudar a ampliar o conhecimento sobre a trajetória de uma startup até se consolidar como empresa. Mais do que isso, seria adentrar em questões etimológicas ou até ontológicas de comércio e capitalismo, que dão pano para outra história.
História que se confunde com a dos EUA
Há citações mais apaixonadas do que científicas à empresa de Thomas Edison, a Edison Electric Light Company, de 1878, atualmente General Eletric (GE), como uma das primeiras startups da história.
Não é para tanto, até porque não há uma definição única do que é startup, como vimos. De qualquer modo, a empresa é emblemática para o capitalismo que floresceu nos EUA a partir no século XIX e que chega até nossos dias, fortemente calcado na “destruição criativa”.
A empresa de Edison registrou nada menos de 2.332 patentes — outra característica do capitalismo norte-americano: a corrida por patenteamento de invenções —, a partir de um modelo fortemente calcado em P&D.
A receita para isso: criou o primeiro laboratório industrial dos EUA, em Menlo Park, Nova Jersey, em 1976, onde passou a empregar desde PhDs alemães a artesãos habilidosos e “loucos” criativos. Mais do que apenas reunir inventores, aplicou rapidamente as invenções à realidade e deu escala a muitas delas, vide-se a lâmpada elétrica, a mais conhecida.
A história americana é um prato cheio de histórias como essa. A Bell Company, mais tarde AT&T, com seu Bell Labs, também poderia servir de exemplo. A Segunda Guerra Mundial potencializou essa característica e fez com que a inovação não fosse só um diferencial de mercado, mas uma necessidade de primeira ordem tanto para vencer o conflito contra o Eixo, no primeiro momento, como, por quase meio século depois, competir com a extinta União Soviética, durante a Guerra Fria.
A Hewlett Packard é outro caso emblemático, mais relacionado à tecnologia eletrônica (também vimos sobre ela em “Uma história da Gestão de Produtos”). Foi fundada em 1939 por dois amigos, Bill Hewlett, então com 26 anos, e David Packard, com 27, ambos estudantes da Universidade de Stanford, na Califórnia (no que logo se tornaria o Vale do Silício). Investimento inicial: 538 dólares. O local: uma garagem — que depois ficaria bastante associada à fundação de muitas outras startups de tecnologia.
Microsoft e Apple (o Apple I também foi montado em uma mítica garagem, em Los Altos, Califórnia) foram agressivas na busca por novos mercados e modelos de negócios de 1975 em diante, em torno do computador pessoal.
Até que surgiu a internet comercial, em 1995, e as coisas se aceleraram. Cinco anos depois, havia um sem número de jovens, mas também de grandes companhias, tentando ganhar dinheiro com ideias que a internet viabilizou. O furor foi tão grande que resultou na bolha das “pontocom”, em 2000.
Muitas iniciativas simplesmente morreram com a crise, um lixo de ideias foi varrido e inovações que realmente prometiam ganhar mercado acabaram vingando na primeira década do século XXI, que é quando o Google (fundado em 1998) praticamente domina as buscas na Web, o Facebook surge e se torna a maior rede social do planeta e Steve Jobs e a Apple sepultam muita coisa — e abrem uma possibilidade de outras — com o lançamento do iPod, do iPad e do iPhone.
Este último, certamente, foi um dos maiores divisores de água para uma nova geração de produtos de software, capazes de atingir muito mais usuários, captar mais dados dos mesmos e romper barreiras de negócios difíceis de serem exploradas antes.
A década seguinte é de crescimento do que deu certo. Empresas ditas “disruptivas”, pelo fato de causarem grande impacto na realidade social, como Uber e AirBnB, mas também Instagram (a vitrine da vaidade humana) e Whatsapp (uma nova forma de conversar), estão nessa leva.
A tecnologia já deixou de ser a estrela e passa a ser a viabilizadora de outros astros, fundamentados em larga escala, big data e inteligência artificial.
Essa história está sendo construída no mundo inteiro neste momento, inclusive em países mais fechados, mas não menos temerosos de perderem o bonde do “progresso”. Algumas pessoas estão tentando teorizar o assunto, encontrar “certos” e “errados” e sistematizar a inovação.
O fato é que enquanto estivermos embarcados nessa busca cada vez mais frenética pelo novo e desconhecido, qualquer tentativa de parar em algum ponto para analisar pode ser o mesmo que estacionar ou ficar para trás.
Não parece haver sinal para diminuirmos o ritmo (a menos que ocorra uma hecatombe, em forma de crise natural ou humana). O conceito de startup, ao que tudo indica, tende cada vez mais a moldar a economia, a cultura, o mundo, assim como o modo como trabalhamos e construímos o futuro.
Indo além
As fontes citadas ao longo deste artigo são úteis para se aprofundar no conceito e na história das startups, sobretudo o blog de Paul Graham (contém muitos textos antigos que tratam do tema, e o blog de Steve Blank (em especial, este artigo e seus links).
O livro “The Lean Startup” (“A Startup Enxuta”), de Eric Ries, é leitura obrigatória para entender muitos dos conceitos e fases apresentados e para uma boa visão sobre inovação.
O livro “The Hard Thing About Hard Things” (“O lado difícil das situações difíceis”), de Ben Horowitz, é um relato bem realista sobre os desafios e dificuldades de criar e gerir startups.
“Uma história da Gestão de Produtos”, também nesta Newsletter, também perpassa alguns dos conceitos comentados neste artigo, do ponto de vista deste produto (tecnologia, startups, produto, design e outras áreas relacionadas caminham juntas ao longo da história).
“Um panorama das startups brasileiras”, nesta Newsletter, dá um contexto atual sobre números e valores desse tipo de empresa no país e em comparação com o mundo.
Artigo escrito por Rogério Kreidlow, jornalista, que gosta de observar a tecnologia em relação a temas amplos, como política, economia, história e filosofia.
“Destruição criativa” é um conceito popularizado pelo economista austríaco Joseh Schumpeter. Tem a ver com inovação e disrupção, quando empresas com novos produtos ou modelos de negócios conquistam mercado, eliminando empresas tradicionais.
Volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade é o que dá origem à sigla “VUCA”, muito citada, recentemente, para definir os tempos atuais.
Em: “Startup = Growth”.
Market-fit, em tradução livre: “ajustado ao mercado”, é um termo comum em produtos digitais que significa a fase em que o mesmo criou ou alcançou um mercado consumidor, capaz de lhe dar sustentabilidade financeira. Resumindo: o produto está dando lucro.
Minimun Viable Product (MVP), em tradução livre: “produto mínimo viável”, é a primeira e a mais simples versão de um produto, lançada com o mínimo de esforço possível, a fim de se testar a proposta de valor tem mercado e permitindo um ciclo rápido de iterações, como correções, melhorias ou, caso o produto não dê certo, permitindo “pivotá-lo”, algo como mudar drasticamente os rumos do produto e/ou do negócio.
Em: Social Capital.