Abordagens e técnicas em Design Comportamental
Em uma série de três artigos sobre Behavioral Design, vamos passar por abordagens e técnicas da área, dilemas que ela desperta e propostas para um Design Comportamental ético
“Tecnologia”, provavelmente, seria um dos primeiros termos que nos viria à mente se nos fosse pedido para definirmos o século XXI em uma palavra. Mas se disséssemos “mudar comportamentos” não estaríamos de todo errados. Talvez, fôssemos até mais assertivos.
Reforçar, modificar e criar comportamentos pode ser considerada uma febre do nosso tempo, e uma das maiores forças motrizes de negócios.
Por isso, em uma série de três textos, trataremos sobre o uso das chamadas Ciências Comportamentais no Design de Experiência do Usuário.
A abordagem pode ser útil tanto a quem se interessa ou atua em UX Design como a quem pretende ingressar ou exerce Gestão de Produtos (Product Management), já que a formação de hábitos e o disparo de comportamentos são indissociáveis de produtos digitais.
Este primeiro texto apresenta e contextualiza abordagens da Psicologia que servem de base para moldar hábitos e também apresenta técnicas (com livros) usadas e difundidas no mercado.
Tecnicamente, há uma diferença fundamental entre comportamento e hábito. Comportamento seria mais como a resposta automática do organismo a um determinado estímulo externo; ação-reação, em resumo. Hábito seria um modo de agir adquirido pela repetição, voluntária ou involuntária.
Como não pretendemos fazer um tratado de Psicologia aqui, haverá momentos em que os dois termos poderão ter o mesmo significado, a fim de simplificar a comunicação. Até porque, intuitiva e informalmente, é comum pensarmos em hábitos e comportamentos como a mesma coisa: o jeito como agimos no mundo.
A compreensão dessas abordagens e técnicas fornecerá fundamentos aos outros dois textos da série.
O segundo texto irá tratar dos dilemas que a aplicação das Ciências Comportamentais têm em relação à ética no Design de Experiência do Usuário.
Há uma linha tênue — e questões filosóficas e políticas profundas — entre o que um indivíduo realmente quer ou necessita e o que uma organização ou grupo de poder (empresa, governo, grupo etc.) tenta influenciar esse indivíduo a querer ou necessitar.
O terceiro texto abordará propostas para que as técnicas das Ciências Comportamentais possam ser aplicadas de forma ética em UX Design, segundo quem propõe tais soluções e segundo o que convencionamos como justo e ético.
Vamos começar pelas abordagens e técnicas.
Abordagens
A Psicologia tem diversos paradigmas ou formas de compreender como pensamos, sentimos e agimos. Algumas correntes teóricas têm divergências significativas umas com as outras e levam a debates que, no extremo, podem ser indecidíveis sobre qual abordagem é mais adequada.
Vamos nos basear apenas em algumas linhas ou abordagens que vêm sendo utilizadas para finalidades de mercado ou de negócios:
Behaviorismo, que tem na Persuasive Technology (Tecnologia Persuasiva) de BJ Fogg uma continuidade;
Economia Comportamental, que tem um aprofundamento na Nudge Theory, de Richard Thaler e Cass Sunstein; e
Gestalt, uma escola que estudou princípios da percepção.
Behaviorismo
Behaviorismo é uma abordagem da Psicologia que predominou nos Estados Unidos entre 1910 e 1960. Tem entre seus precursores os fisiólogos russos Vladimir M. Bechterev e Ivan Pavlov e como desenvolvedores os psicólogos Edward Thorndike, John B. Watson e, o mais proeminente deles, B. F. Skinner.
O Behaviorismo pretendia aplicar a filosofia e técnicas das Ciências Naturais, como o empirismo, a observação e a experimentação, a fim de dar uma abordagem científica e rigorosa à Psicologia.
A corrente rejeitava aspectos que não podiam ser observados, como as ideias de mente, consciência, intuição, inconsciente e ego (termos da psicanálise de Freud, à qual era oposta) ou outros conceitos abstratos.
Tudo a ser estudado e inferido deveria ter como base comportamentos, ou seja, ações e reações observados externamente aos indivíduos, fosse em animais (onde a teoria começou a ser desenvolvida), fosse em humanos.
Os tempos eram outros, ainda não se falava em ideais como Direitos Humanos, Direitos dos Animais ou Proteção à Criança e ao Adolescente — e alguns experimentos que hoje seriam condenáveis foram feitos com base na teoria.
Um deles envolve os conhecidos “cães de Pavlov”. No experimento, cães tinham um dispositivo para coleta de saliva cirurgicamente implantado na boca, eram amarrados a uma engenhoca e submetidos a um apito ao ganhar refeições. Após longa repetição, descobriu-se que os cães salivam apenas ao som do apito, sem qualquer comida por perto, o que ficou conhecido como “condicionamento clássico”.
Em outro experimento, de Watson, chamado “Little Albert” (“Pequeno Albert”), um bebê foi condicionado a ter medo e chorar ao ser exposto a animais ou objetos da cor branca e a um alto ruído sonoro associado.
Skinner, com sua “Skinner box”, usava ratos que eram recompensados com comida se executassem uma ação desejada e punidos com choques se executassem uma ação indesejada.
A mesma lógica, talvez até por sua simplicidade — baseada em estímulo-reação, demanda-resposta, apito-saliva — é usada em escala em big techs, como no Facebook, onde psicólogos comportamentais e designers de experiência trabalharam em conjunto para aumentar a aquisição, retenção e engajamento de usuários.
Outras big techs como Google, Amazon e as grandes startups disruptivas, como Uber e AirBnb, também se utilizam de técnicas que têm como base o Behaviorismo, tanto para conhecer melhor seus usuários como para projetar seus produtos a eles.
A abordagem se tornou padrão de mercado para demais startups e empresas em transformação digital existentes ou futuras, por causa dos cases de sucesso daquelas que já empregavam tais práticas.
Persuasive Technology
O conceito de Tecnologia Persuasiva foi criado por BJ Fogg, um cientista comportamental da Universidade de Stanford, autor de “Tiny Habits: The Small Changes That Change Everything” e consultor na indústria, considerado um guru no Vale do Silício.
Basicamente, a teoria dá continuidade a conceitos do Behaviorismo e fala, agora, em um ciclo de “motivação, habilidades e comandos” (até 2017, o último item era chamado de “gatilhos”, mas foi alterado por Fogg) — veremos mais sobre isso na seção “Técnicas”.
Por um curso em formato de bootcamp de Fogg passaram vários fundadores de startups, como do Instagram (hoje de propriedade do Facebook), o que fez sua teoria ser aplicada em muitos produtos digitais de sucesso no mercado.
É inevitável não associar a teoria de Fogg à simplicidade mecânica do experimento com cães de Pavlov ou com ratos de Skinner. A partir de recompensas e punições acionadas por cliques de mouse e toques na tela — com uma estratégia de marketing por trás —, pode-se explorar ativação, retenção e engajamento como nunca nos negócios.
Os padrões, expandidos para diversos sites e aplicativos, criaram novos hábitos e tendências comportamentais, como “FOMO” (“Fear of Missing Out”; em tradução livre: “Medo de Ficar de Fora”), levando usuários a passar mais tempo em produtos, compartilhando mais dados com os mesmos e gerando, consequentemente, mais receita às empresas.
Como linha da Psicologia, o Behaviorismo acabou ofuscado pelo surgimento da Ciência Cognitiva (que voltou a considerar questões como “consciência” e outros aspectos que não podiam ser observados), a partir dos anos 1950.
Críticos apontaram a teoria como “mecanicista”, simplificadora da complexidade humana a meros estímulos e respostas (o Behaviorismo considera o humano uma “tábula rasa”, podendo ser moldado do zero) e que, no extremo, negaria o livre-arbítrio.
No entanto, seus legados encontraram terreno fértil para que se tornasse um paradigma aplicado à indústria de tecnologia, por meio do Design Comportamental e do Design de Experiência do Usuário.
Economia Comportamental
Economia Comportamental é uma abordagem da Teoria Econômica a partir da Psicologia Cognitiva. Embora a Psicologia Cognitiva não seja exatamente a mesma coisa que Ciência Cognitiva, que é um campo mais amplo, ambas têm origens e pressupostos em comum e se desenvolvem a partir dos anos 1950 e 1960, sendo muito proeminentes na atualidade.
Para entender a Economia Comportamental, precisamos abordar a Teoria Econômica Clássica. Esta última toma por base que a economia é um sistema que se desenvolve a partir de indivíduos racionais, isto é, que buscam decisões “ótimas” (no sentido de otimizadas) às suas ações. “Agente racional” e “Homo Economicus" são denominações associadas à Teoria Econômica Clássica.
A Economia Comportamental, em oposição, parte do princípio de que os indivíduos não são completamente racionais nem otimizadores por excelência, como a teoria antecessora prega.
Por meio da psicologia experimental, o campo tem demonstrado que humanos agem com racionalidade limitada, por meio de heurísticas e vieses, que nem sempre os fazem tomar a decisão mais eficiente em uma dada situação.
Os grandes nomes do campo são Amos Tversky e Daniel Kahneman, prêmio Nobel de Economia. Kahneman contribuiu para popularizar a área com seu livro Thinking: Fast and Slow (na edição em português: Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar).
No livro, ele aborda em linguagem acessível conclusões de experimentos que demonstram que utilizamos dois sistemas para agir na realidade, os quais foram chamados de Sistema 1 e Sistema 2.
O Sistema 1 é aquele responsável por decisões intuitivas e imediatas, o “piloto automático”. É rápido e exige pouca energia, ou seja, não requer que “pensemos muito”. É o sistema que entra em ação quando dirigimos ou quando clicamos rapidamente para nos livrarmos de um pop-up que aparece na tela. Não usamos “raciocínio” nele.
Esse Sistema 1 também é aquele que nos faz tomar decisões precipitadas, a ter mais medo de perder (inclinação à segurança) do que vontade de ganhar (propensão ao risco) e a calcular muito mal probabilidades de eventos reais.
Já o Sistema 2 é racional, porém lento e consome muita energia. É usado para realizarmos cálculos, tentamos apreender um conceito a partir da leitura ou fazer engenharia reversa de um processo. Requer que paremos, dediquemos praticamente toda atenção àquilo e é algo que exaure nossa capacidade mental após ciclos de repetição.
Pensando em termos de psicologia evolutiva, seria quase como um “turbo” para que o Sistema 1, eventualmente, pare e pondere questões, mas não um sistema para funcionar full time (embora nossa era, de trabalho cognitivo, tenha obrigado a um uso cada vez mais intensivo dessa capacidade limitada).
Heurísticas e vieses, como “Ancoragem”, “Heurística da Disponibilidade” e “Efeito de Adesão” (veremos mais em “Técnicas”), formulados na Economia Comportamental, também passaram a ser amplamente considerados para a construção de produtos úteis e atraentes a usuários.
Não faltam artigos web afora explorando e recomendando aplicar descobertas da Economia Comportamental em UX Design.
A lógica básica é entender como cada heurística e viés funciona e projetar produtos que os levem em consideração quando usuários têm de tomar decisões, como confirmar uma compra, uma assinatura ou a entrega de dados pessoais (e-mail em um cadastro, por exemplo).
Nudge Theory
A Economia Comportamental serviu de base para o Nudge, que significa “cutucada”, em inglês. A Teoria Nudge propõe reforços intencionais e o que chama de “arquitetura de escolhas” para incentivar indivíduos a tomar certas decisões em detrimento de outras, porém sem lhes limitar opções, o que gerou o apelido de “paternalismo libertário” à teoria.
É mesmo como um cutucão para que o indivíduo faça algo tido como “melhor” ou “correto”, como deixar saladas ou frutas mais expostas do que carnes e guloseimas em restaurantes e lanchonetes, visando incentivar uma alimentação saudável.
A Teoria Nudge foi popularizada em 2008 pelo livro Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth and Happiness, do economista comportamental Richard Thaler, prêmio Nobel de Economia, e do acadêmico jurídico Cass Sunstein, ambos da Universidade de Chicago.
A abordagem fez sucesso porque foi adotada por dois cases de peso: o governo Barack Obama, nos EUA, e o governo David Cameron, na Inglaterra, no mesmo período.
O governo inglês chegou, inclusive, a criar a “Nudge Unit”, uma unidade chefiada por um psicólogo para aplicar a teoria nas políticas do Reino Unido. A atitude foi copiada por outros países de língua inglesa, como a Austrália.
O incentivo ou cutucada também foi adotada por empresas, boa parte delas startups e corporações de tecnologia do Vale do Silício, inclusive em ambiente interno, para incentivar hábitos em funcionários.
Novamente, artigos web afora ajudaram a popularizar e inserir conceitos da teoria na abordagem do Design de Experiência do Usuário.
A Economia Comportamental, que fundamental o Nudge, parece mais aceita do que o Behaviorismo atualmente, mas não é isenta de críticas, principalmente por não ser uma abordagem unificada para a economia e se basear em experimentos que podem não ser representativos o suficientes e conter os mesmos vieses de que tratam ao recortar amostras.
O Nudge, porém, até pela popularidade e por ser usado politicamente, tem gerado uma série de críticas e dúvidas. Há quem diga que ele inclusive feriria a democracia e a justiça. Alguns estudos apontam que o nudge normalmente é apoiado quando é aplicado por uma ideologia com a qual há concordância, mas desaprovado em caso contrário. Outros dizem que a prática dá brecha para manipulação psicológica, a fim de se fazer engenharia social, revestida de conceitos “positivos” e que estão na moda.
O fato é que se, para governos o Nudge significa comportamentos que reduzem gastos, na iniciativa privada ele é visto como prática para incentivar consumidores a comprarem mais, possivelmente de uma maneira mais satisfatória ou “feliz”. Não à toa, também tem penetrado em estratégias de Marketing e no Design de Experiência do Usuário.
Gestalt
Gestalt é uma escola de Psicologia que surgiu no início do século XX na Áustria e na Alemanha. É a única representante não norte-americana que cabe mencionar, por também ser utilizada em áreas como o Design. Etimologicamente, a palavra, do alemão, significa “padrão” ou “configuração”.
Ao contrário de abordagens mais empíricas e analíticas (das partes para a generalização), a Gestalt é conhecida pelo ditado “o todo é mais do que a soma de suas partes”. Seu trunfo foi estudar a percepção a partir de uma perspectiva totalizante ou inteira, em vez de observá-la como se fosse feita de componentes.
Os experimentos sobre a percepção humana contribuíram no entendimento de padrões visuais e geraram sete princípios, úteis para o Design de forma geral, e que podem ser utilizados em UX Design para fins de identificação ou sinalização:
Proximidade: coisas que estão próximas parecem mais relacionadas entre si do que se estiverem distantes.
Similaridade: coisas que são parecidas são percebidas como parte do mesmo grupo e tendem a ser percebidas como tendo a mesma função.
Continuidade: elementos que são posicionados em uma linha ou curva são percebidos como mais relacionados do que se não estivessem dispostos da mesma forma.
Fechamento: percebemos objetos complexos a partir de formas simples e incompletas, como linhas ou pontos.
Figura-fundo: nossa percepção instintivamente percebe objetos como estando à frente ou ao fundo.
Região comum: objetos posicionados dentro de uma mesma região fechada são percebidos como parte do mesmo grupo.
Ponto focal: qualquer elemento que se destacar visualmente vai capturar e prender a atenção de quem está vendo.
A Gestalt sofreu críticas por não ser embasada em dados quantitativos e por ser mais descritiva do que explicativa. Ela caiu em desuso ainda no século XX. Entretanto, seu legado foi estendido à Cibernética e à Neurologia e se manteve vivo no mercado, com a Publicidade e o Design Gráfico.
Técnicas (e livros)
Listamos a seguir o que podemos chamar de “técnicas”, “frameworks” ou “táticas” derivadas das Ciências Comportamentais e aplicadas a produtos de tecnologia e ao Design de Experiência do Usuário. Cada uma está associada a livros que as embasam, para mais consistência.
Cabe esclarecer que não há um compêndio ou compilação que seja unânime na área. Exceto alguns dos modelos, a maioria são frutos de livros de mercado, best sellers, feitos para vender, mais do que estudos científicos rigorosos.
De qualquer maneira, a lista fornece um pouco do que inspira o mercado, empresas e profissionais que lidam com o comportamento do usuário. Novamente, a lista é um recorte e está sujeita a contribuições e críticas.
Optimal Reinforcement
Optimal Reinforcement (em tradução livre, “Reforço Ótimo” ou “Reforço Ideal”) é praticamente outro nome para a teoria do Condicionamento Operante, uma das grandes contribuições de B. F. Skinner ao Behaviorismo.
O livro que ilustra e fundamenta o tópico, The Behavior of Organisms, de 1938, é o primeiro de Skinner, dando início ao que ele chamou de Behaviorismo Radical. É considerado um marco para o campo das Ciências Comportamentais.
Diferentemente do Condicionamento Clássico (cães de Pavlov, por exemplo), em que o comportamento costuma ser involuntário, o Condicionamento Operante é um tipo de processo de aprendizagem associativa, em que a força de um comportamento é modificada por reforço ou punição, e onde o comportamento é considerado voluntário (há escolhas).
Muitas aplicações de UI e UX Design, bem como do Design de Serviços e outras vertentes, mesmo que não explicitamente, baseiam-se em descobertas de Skinner, como o reforço positivo (incentivo a um comportamento gratificante repetido e contínuo, como usar mais ou comprar mais).
Os experimentos de Skinner deram origens a vários termos, como o próprio “reforço positivo” (gratificação), “reforço negativo” (remoção de um estímulo), “punição positiva” (ou apenas punição) e “punição negativa” (punição por retirada de um estímulo gratificante), além de “extinção” (quando um comportamento se torna ineficaz).
A teoria também lida com conceitos como “saciedade” e “privação”, “imediatismo”, “contingência” (reforço consistente logo após as respostas) e “tamanho” (potência de um estímulo), que acabam sendo aplicadas quando se trata de atrair, reter e engajar clientes.
Os games e a gamificação trabalham muito com conceitos skinnerianos. Como a teoria se baseia em inputs-outputs comportamentais automáticos (que não exigem pensar, raciocinar ou imaginar), aplica-se a decisões fugazes e impensadas.
Isso também se adequa quando damos descontos, benefícios e atrativos a usuários. Há artigos que relacionam a abordagem a UX Design e um aprofundamento em técnicas behavioristas requer, inevitavelmente, aprofundamentos que não são o foco neste artigo.
Fogg Behavior Model (FBM)
BJ Fogg é um cientista comportamental da Universidade de Stanford, autor de “Tiny Habits: The Small Changes That Change Everything”, como já vimos.
Ele criou o “Fogg Behavior Model (FBM)” baseado em um circuito de motivação, habilidades e comandos, explicados a seguir:
Motivação: são sensações (prazer ou dor), antecipações (esperança ou medo) ou pertencimentos (aceitação ou rejeição). As pessoas realizam ações para satisfazer esses princípios. Então, começar por entendê-los e aplicá-los, é uma forma de se projetar e construir produtos eficientes.
Habilidades: é a capacidade de um usuário realizar uma tarefa. Ela pode ser satisfeita por treino (caminho difícil), ferramenta ou recurso, como uma fórmula ou receita, ou por simplicidade, construindo habilidade à medida que avança, que é a tese de Tiny Habits.
Comandos: um sinal ou situação (ele fala em facilitadores, sinais e faíscas) que incentiva um comportamento,
Fogg criou um gráfico, chamado B=MAP, meio que representando uma equação desses conceitos. Conforme o esquema, quanto menos motivador algo for, mais fácil deverá ser. O objetivo é aumentar gradativamente: um pouco mais difícil, um pouco mais motivador também. Os problemas ocorrem quando algo é difícil de fazer e pouco motivador.
A ideia se aplica bem à educação de usuários a produtos ou ao consumo de instruções. Partir de habilidades fáceis e adicionar motivação em pequenos passos auxiliaria usuários a se familiarizar e se manterem no produto.
Há uma gama de artigos explorando mais a fundo o modelo em UX Design. Alguns exemplos são: Understanding Fogg behaviour model, How to design behaviours, using BJ Fogg’s model e Combining UX Design And Psychology To Change User Behavior.
Heurísticas e vieses
O livro acima, de Daniel Kahneman, prêmio Nobel de Economia em 2002 por suas pesquisas, é um dos marcos na popularização da Economia Comportamental, que vimos anteriormente.
Em linguagem acessível, o livro reúne e comenta diversas pesquisas e experimentos de Kahneman e Tversky e apresenta muitas das heurísticas e vieses que tornam muitas de nossas ações não racionais ou eficientes.
O que é usado na prática do Design de Experiência do Usuário são exatamente essas mesmas heurísticas e vieses. A lista é vasta e há relações ampliadas web afora.
Para ficarmos apenas em alguns, vamos citar os três casos que iniciaram toda a abordagem:
Heurística de disponibilidade: julgar a probabilidade de um evento pela facilidade com que nos vem à mente (em produtos, generalizar uma experiência ruim como se novas experiências também fossem ruins).
Heurística de representatividade: tentar encaixar algo ou alguém rapidamente em categorias, o que pode levar a preconceitos e distorções (como julgar uma pessoa por sua etnia).
Viés de ancoragem: concentrar-se em uma única informação inicial, a ponto de ignorar outras (em produto, a técnica de exibir o valor mais caro de um plano para que outros planos, aqueles que são mais adquiridos, pareçam mais baratos).
Muitas das heurísticas e vieses estabelecidos hoje, de alguma forma abrangem conceitos que já levavam outros nomes em relação à persuasão, por exemplo.
Por serem consideradas mais “científicas” (basear-se em pesquisas com grupos de indivíduos, embora haja críticas a estas também), heurísticas e vieses se prestam a entender uma série de hábitos de consumo e aplicar técnicas para fortalecê-los ou amenizá-los.
Também há muito material na web para se aprofundar no uso de cada heurística e viés no Design de Experiência do Usuário.
Arquitetura de escolha
Arquitetura de escolha é um termo utilizado na Nudge Theory, que tem como base o livro Nudge: Improving Decisions About Health, Wealth, and Happiness, de Thaler e Sunstein, também já citado.
A ideia básica da metodologia é, de fato, arquitetar escolhas para que determinadas opções sejam mais acessíveis a usuários do que outras.
Os exemplos mais citados normalmente vem de intervenções governamentais: expor alimentos naturais com maior destaque do que alimentos industrializados em pontos de venda, para incentivar alimentação saudável; colocar pequenos marcos visuais que direcionam pessoas a um determinada direção no metrô; desenhar uma mosca dentro de mictórios para incentivar menos sujeira no chão (o experimento é real e bastante comentado).
Entretanto, a ideia se presta muito bem à projeção de experiências e artefatos de navegação. O que aplicativos de serviços fazem, quando, por exemplo, tem três planos de assinatura, um básico, um intermediário e um avançado, e recomendam ou setam o intermediário por padrão, é basicamente arquitetura de escolha.
As opções não são limitadas. O usuário pode saber o que o plano básico e o avançado contém, mas há um “cutucão”, um incentivo, para que ele assine o plano intermediário, pelo fato de ser o mais vantajoso ou mais assinado pela maioria.
Influência e persuasão
Influence: The Psychology of Persuasion é um livro de 1984 de Robert Cialdini, professor de Psicologia e Marketing na Universidade do Arizona, best seller no mundo dos negócios.
Seus conceitos são muito usados em Marketing, mas, como UX Design muitas vezes não deixa de ser uma forma de aplicação de técnicas para concretizar estratégias de marketing, a abordagem é intercambiável entre as áreas.
Cialdini coloca seis princípios para a influência e persuasão de pessoas:
Reciprocidade: quanto mais você recebe, mais provável é que dê de volta ou reembolse (dar um benefício gratuito incentiva um usuário a utilizar um serviço mais tarde, em reciprocidade).
Compromisso e consistência: o comportamento passado é o melhor preditor do comportamento futuro (consistência) e pequenas ações benéficas levam a grandes ações benéficas (compromisso) — boas experiências de uso e de compra em um aplicativo resultarão em mais experiências de uso e compra ou em uma compra significativa.
Prova social: quanto mais pessoas usam e recomendam algo, mais tendemos a querer ou confiar na mesma coisa. Comportamento de grupo, basicamente. Adicionar avaliações (e destacar as positivas) incentiva usuários a utilizarem um serviço, por exemplo.
Atratividade: é o simples “gostar” de algo, por causa de aparência, interesses, cortesia, familiaridade etc. Por isso, fornecer identidade (branding) e experiências que atendam esse princípio ajuda usuários a se engajarem mais com um produto.
Autoridade: é colocar uma pessoa famosa ou referência em alguma área recomendando um produto. Adicionar uma declaração de uma personalidade na tela final de compra de um produto reforça as chances de um cliente decidir comprá-lo, por exemplo.
Escassez: quanto mais difícil de conseguir algo, mais o valorizamos. As chamadas para o “só até hoje”, descontos válidos até tal horário ou “últimas vagas” lidam com esse princípio.
Os princípios listados por Cialdini foram desdobrados em uma série de “gatilhos mentais” posteriormente e são extensivamente usados em relações de consumo.
Também é possível encontrar correspondência entre esses mesmos princípios e heurísticas e vieses da Economia Comportamental. Mesmo que algumas dessas técnicas já estejam para lá de batidas e possam afastar consumidores mais seletivos, a grande maioria das estratégias comerciais atuais se utiliza delas, até por sua facilidade e baixo custo de implementação.
CAR
Digital Behavioral Design é um livro de T. Dalton Combs e Ramsay A. Brown, de 2018, bastante responsável por popularizar a expressão “Behavioral Design” (em tradução livre: “Design Comportamental”). A definição de Design Comportamental dos autores é:
“O design comportamental é um conjunto de técnicas de persuasão. Não é uma técnica de coerção. É uma tecnologia de comportamento, não uma tecnologia de força. Nessa medida, as técnicas de design comportamental e os próprios designers devem respeitar os direitos intrínsecos da pessoa à liberdade de escolha, autonomia e dignidade.” —Combs e Brown.
No livro, eles propõem a metodologia CAR, um acrônimo para um ciclo de Cue (sinal ou deixa), Action (ação) e Rewards (recompensas). Um usuário percebe um sinal, que aprende a associar a uma ação (comportamento), que o leva a uma recompensa.
Trata-se, basicamente, de aplicação do Behaviorismo de Skinner ao Design, tanto que os autores repassam vários conceitos do autor. É uma boa abordagem da Ciência Comportamental aplicada ao Design, por percorrer práticas e exemplos atuais.
Sabendo enviar sinais certos, reforçar comportamentos desejados e fornecer recompensas motivadoras, tem-se uma receita para atrair e manter usuários retidos e engajados, em resumo.
Hooked model
Hooked: How to Build Habit-Forming Products (na edição em português: Hooked (Engajado): Como construir produtos e serviços formadores de hábitos) é um livro de 2013, de Nir Eyal, palestrante e investidor que se especializou em “engenharia comportamental” (um outro nome para a aplicação de Ciências Comportamentais à realidade).
A melhor tradução para hooked seria “fisgado” ou “viciado”, literalmente, em alusão ao que se debatia em relação ao sucesso das redes sociais (diga-se, Facebook) na época em que o livro foi escrito.
O livro usa outro esquema, também baseado em Behaviorismo, para falar sobre atração e engajamento de usuários, o “Hook model” (que poderíamos dizer “anzol” ou “gancho”), com as seguintes etapas: Gatilho, Ação, Recompensa Variável e Investimento. Bastante parecido com o Digital Behavioral Design visto pouco antes.
Gatilho é o que dispara um comportamento. Podem ser externos (uma notificação etc.) ou internos (pensamento, sentimento). Gatilhos repetitivos levam a disparos de hábitos.
Ação é o comportamento que decorre do gatilho. Um clique, uma curtida, uma compra, um compartilhamento, uma avaliação.
Recompensa Variável é o reforço positivo de Skinner, algo que faz o usuário ter prazer ou desejo de retornar. A experiência faz com que o gatilho passe a ser associado cada vez mais à recompensa, levando à uma ação automática.
Investimento é uma dedicação a mais do usuário no produto. Convidar amigos para o produto, declarar preferência (engajamento), construir ativos e aprender novos recursos, por exemplo. Isso não só reforça o ciclo gatilho-ação-recompensa como o expande a mais pessoas.
O livro fez e ainda faz bastante sucesso na indústria de tecnologia, mas é acusado por alguns de ser um dos responsáveis por difundir técnicas para “viciar” usuários no mundo virtual, algo questionado após escândalos e experiências ruins nas redes sociais.
O site de Eyal, Nir and Far, principalmente seus vários artigos, fornecem muito material e visões sobre seu trabalho e opiniões. É uma boa fonte para entender essa onda de Psicologia Comportamental aplicada ao Design e ao consumo em produtos digitais.
Jobs-to-be-done
Jobs-to-be-done (em tradução livre: “trabalhos a serem feitos”) é um conceito criado por Clayton Christensen, professor de Harvard, autor de Competing Against Luck: The Story of Innovation and Customer Choice e um grande pensador e influenciador da tecnologia e dos negócios no século XXI.
O termo foi tão popularizado por comunidades de UX Design a ponto de ganhar comunidades, páginas e um culto próprio. É extensamente aplicado nos negócios.
Um dos exemplos de Christensen, que ilustra a teoria, é o do milk shake do McDonalds, estudado por uma equipe de pesquisadores geridos por ele. Eles observaram hábitos de consumidores e descobriram que a venda de milk shakes do lado de fora das unidades, para que as pessoas pudessem comprar de dentro do carro e segurar com uma das mãos enquanto dirigiam, aumentou significativamente as vendas.
Os clientes tinham uma necessidade, desejo ou problema (jobs) e a venda para levar com facilidade no carro era o trabalho a ser feito (to be done).
“Jobs-to-be-done” não fornece um modelo baseado em abordagens psicológicas, mas como se trata de entender e adaptar produtos à rotina de usuários, julgamos que cabe ser citado pela referência que se tornou para o Design de Experiência do Usuário. No fim das contas, é basicamente sobre comportamento no consumo e, como dito, um “culto” na indústria de tecnologia.
CREATE framework
CREATE framework é um esquema para Design Comportamental apresentado no livro Designing for Behavior Change, publicado em 2013, com uma segunda edição em 2020, do cientista comportamental Stephen Wendel.
O livro é um dos mais atuais e completos do tema (pelo menos até 2021) e vai além do Behaviorismo, utilizando a Economia Comportamental em sua fundamentação.
CREATE é um acrônimo usado pelo autor para um ciclo parecido com o CAR e o Hook Model: significa Cue (sinal ou deixa), Reaction (reação), Evaluation (avaliação), Ability (habilidade), Timing (tempo) e Experience (experiência).
O usuário detecta um sinal, uma pista. Em seguida, reage à deixa e avalia ações possíveis. Depois, verifica se é capaz de realizar uma ação proposta ou desejada. O próximo passo é saber o tempo certo de fazer e, por fim, considera experiências anteriores na ação.
Segundo o autor, produtos que pretendem mudar comportamentos mexem em um ou mais desses fatores.
O livro vai além do framework e trata de implicações éticas na Ciência Comportamental, traz um roteiro para projetos de mudança de comportamento, como fazer intervenções e como implementá-las em produtos e como acompanhá-las por meio de testes e experimentos.
Evil by Design
Por fim, cabe incluir na lista Evil by Design: Interaction Design To Lead Us Into Temptation, um livro de Cris Nodder bastante criativo, por sinal.
O autor aborda técnicas de design comportamental a partir dos sete pecados capitais: orgulho, preguiça, gula, raiva, inveja, luxúria e ganância —na prática, outros nomes para desejos e vontades para lá de mundanos.
O livro trata de exemplos de design maliciosos da web, como funcionam e porque caímos neles. Trata da psicologia da persuasão aplicada a eles. E tem etapas para como aplicar esses padrões em produtos digitais (se para o bem ou para o mal, a escolha é dos designers).
Miscelânea
Provavelmente, muitos outros livros, artigos, técnicas e frameworks poderiam ser agrupados aqui, nessa tentativa de corresponder Psicologia Comportamental a aplicações de Design de Experiência do Usuários. Listas dificilmente são completas e exaustivas.
Poderíamos incluir, por exemplo, Emotional Design: Why We Love (or Hate) Everyday Things, do papa de UX Donald “Don” Norman, que acrescenta visão mais holística sobre os usuários, considerando aspectos emocionais, lúdicos, de prazer e gostos.
Na linha da Economia Comportamental e do Nudge, livros como Predictably Irrational, de Dan Ariely, Misbehaving, de Richard Thaler (autor de Nudge), e The Small Big, que reúne Cialdini entre os autores, também caberiam aqui. The Art of Choosing, de Sheena Iyengar, aborda escolhas a partir de perspectivas culturais, psicológicas, evolucionárias e de negócios.
Em se tratando de persuasão e marca, há um caminhão de livros: Brainfluence, de Roger Dooley; Buyology, de Martin Lindstrom; Contagious, de Jonah Berger; Neuro-Sell, de Simon Hazeldine, entre tantos outros.
No âmbito do Neuromarketing, um precursor do campo, Neuromarketing, de Patrick Renvoise e Christophe Morin, é um dos livros mais antigos da área; Introduction to Neuromarketing & Consumer Neuroscience, de Thomas Ramsøy, serve tanto para entender o assunto como guia prático; e Neuromarketing, de Leon Zurawicki, é um dos primeiros livros acadêmicos a abordar a área.
Na maioria dos casos, como vimos, o Behaviorismo é fundamental às técnicas utilizadas. Em práticas mais recentes, é comum a entrada da Economia Comportamental em jogo.
Não raro, há técnicas que misturam Behaviorismo, Economia Comportamental e todo o histórico de conceitos acerca de persuasão já estudados e aplicados no Marketing por décadas.
Testes A/B e os resultados de negócios normalmente costumam servir de validadores para tais aplicações, mais do que experimentos e teorias pretensamente científicas. Causalidade rigorosa entre uso de gatilhos e recompensas e o sucesso de produtos é, no extremo, dificílima ou impossível de ser atingida.
O fato, porém, destas técnicas serem utilizadas por grandes players da tecnologia, difundidas por influenciadores e por estratégias de marketing em torno (basta ver que vários autores e livros são best sellers) ajudam a torná-las proeminentes.
Críticas e contribuições à lista são bem-vindas para enriquecer a conversa.
Dilemas
Há aí um amplo e, mesmo assim, resumido apanhado sobre linhas da Psicologia, abordagens, técnicas, frameworks ou “inspirações” para entender como o reforço, a mudança ou a criação de comportamentos vem sendo aplicada no Design de Experiência do Usuário ou no que tem se chamado de Design Comportamental, de forma ampla.
No entanto, esta é só uma das faces da história. A aplicação de técnicas para mudanças de comportamento — quase que unanimemente para atrair, reter e engajar clientes (às vezes, “viciando-os” por meio da tecnologia) levantam uma série de dilemas, debates e consequências a indivíduos, grupos ou até sociedades.
Tais dilemas serão apresentados e discutidos no segundo artigo desta série. Fiquem à vontade para ampliar a discussão nos comentários.
Artigo escrito por Rogério Kreidlow, jornalista, que gosta de observar a tecnologia em relação a temas amplos, como política, economia, história e filosofia.
Parabéns pelo trabalho e texto!
Parabéns pelo trabalho e texto!